Por Nivaldo Guidolin de Lima Filho.
Recentemente temos visto nas mídias e redes sociais publicações a respeito da triste realidade envolvendo crianças e adolescentes na Ilha do Marajó. Localizada no estado do Pará, a ilha faz parte do maior arquipélago do Brasil e sua região possuí cerca de 590 mil habitantes, mas apresenta o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH: 0,148) do Brasil, além do preocupante falta de políticas públicas estruturadas no campo dos Direitos Humanos. Conforme informações do Ministério Público Federal (MPF), o Pará registra em média 5 denúncias de abuso e exploração sexual diariamente, sendo estas também envolvendo crianças e adolescentes da ilha, fato que evidencia a grave realidade local e necessidade de continuidade da união dos esforços entre o Poder Público e toda a sociedade na mudança da situação insustentável que se configura.
Frente a tamanhas situações que vitimizam seres humanos em pleno desenvolvimento, podemos identificar que as consequências destes esquemas de violações de direitos podem ser inúmeras, inclusive pelo fato da exploração sexual infanto juvenil se configurar como uma das piores formas de trabalho infantil de acordo com a Lista Tipp. Pois a exploração sexual não apenas faz com que a vítima seja exposta precocemente a relações sexuais, mas possibilita uma série de prejuízos para sua vida em troca financeira ou de outra espécie. Como exemplo disso é possível identificar a contaminação por doenças e infecções sexualmente transmissíveis, o aumento do risco de gravidez precoce, a evasão escolar e uso de substâncias em tenra idade, além de estabelecer condições para o surgimento de sofrimento físico e sofrimento emocional, podendo até mesmo direcionar à manifestação de transtornos mentais, comportamentos auto lesivos, tentativas de suicídio e morte.
Toda esta triste realidade ocorre devido aos interesses individuais e coletivos de pessoas ou segmentos que se beneficiam com o abuso e exploração sexual, se fazendo necessário destacarmos o que geralmente está relacionado com a existência destas violações contra crianças e adolescentes em nosso País. Um dos principais elementos existentes, conforme estatísticas registradas no Disque 100, é o fato que geralmente o abuso sexual é praticado em sua grande maioria por homens adultos que mantem parentesco ou proximidade com a criança/adolescente. Sendo a grande parte das vítimas de abuso sexual crianças e adolescentes do sexo feminino, independentemente da idade, inclusive com poucos meses de vida, mas havendo maior número de denúncias envolvendo meninas que se encontram na faixa etária do início da puberdade e adolescência (entre 08 e 14 anos).
É evidente que meninos também podem sofrer abuso sexual e exploração sexual, violações estas perpetradas tanto por homens quanto mulheres. E os números de denúncias contra vítimas do sexo masculino também são assustadoras, sendo que meninos geralmente sofrem calados os fatos e consequências da violência sexual e exploração sexual, principalmente pela cultura machista e patriarcal que ainda predomina no Brasil. Isso quer dizer que fatores enviesados relacionados a masculinidade ou como um homem deve lidar com suas emoções acabam interferindo na possibilidade de uma vítima do sexo masculino pedir ajuda ou acompanhamento psicológico. Inclusive, a orientação sexual pode ser abalada quando ocorre o abuso ou exploração sexual, pois a vítima tende a confundir aquilo que sofreu com as suas reais preferencias de gênero, podendo achar que seria homossexual porque um homem lhe abusou sexualmente, por exemplo.
Portanto, as diferentes formas de violência sexual, inclusive a exploração sexual, são mantidas não apenas pelas culturas machistas e patriarcais, mas por várias estruturas e interesses que determinam a sua ocorrência em todo o território nacional, até mesmo aqui em Piracicaba/SP. Principalmente as ligadas ao ganho financeiro, como também favorecimento sexual e social. Pois, quando existe a possibilidade do funcionamento de esquemas que exploram crianças e adolescentes em ruas, em casas, estabelecimentos comerciais, virtualmente, a luz do dia ou ao relento é sinal que medidas efetivas não foram tomadas no passado ou se ocorreram, falharam. E que a legislação precisa ser devidamente cumprida, principalmente alinhada com a atuação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para além da responsabilização penal dos autores das violações de direitos, mas no tratamento de saúde mental às pessoas que violam e também às vitimas e famílias envolvidas.
E o CRAMI há mais de três décadas trabalha para mudar essa realidade de violações contra a dignidade das crianças/adolescentes, buscando promover não apenas melhorias na vida das pessoas e famílias atendidas pelas equipes técnicas dos projetos e dos serviços ofertados pela OSC, mas também contribuindo na promoção dos direitos humanos junto a rede do Sistema de Garantia de Direitos (SGD). Então, convidamos toda a sociedade Piracicabana a também fazer sua parte denunciando situações de abuso, exploração sexual e tráfico humano ao Disque 100, Conselho Tutelar ou Ministério Público.
Nivaldo Guidolin de Lima Filho, é psicólogo clínico e professor universitário. Possuí especializações em Atendimento Preventivo na Primeira Infância e Educação em Direitos Humanos. Faz parte do projeto Ressignificando Vivências do CRAMI Piracicaba.